Preocupação com a sustentabilidade
Quando o termo sustentabilidade ainda nem sequer existia no vocabulário dos brasileiros, o pecuarista José Luiz Niemeyer dos Santos, 76 anos, já sabia exatamente o que ela significava. Isso porque seu pai, o advogado José Travassos dos Santos, era um ambientalista e nem se dava conta disso. Na fazenda que os dois construíram juntos, aTerra Boa, em Guararapes, interior de São Paulo, preservar a natureza sempre foi uma regra. “Eu sempre escutei meu pai dizendo isso: que o mais importante para qualquer atividade agropecuária era a natureza preservada”, diz José Luiz.
Nascido no Rio de Janeiro – porque a família da sua mãe era toda carioca – foi no interior paulista que ele cresceu. Tinha oito anos de idade quando o pai decidiu adquirir terras na região (numa época em que Araçatuba, distante 15 quilômetros de Guararapes, era a imponente capital do boi gordo). “O meu pai me levava na Praça do Boi, emAraçatuba, onde se definia o preço do boi gordo naquela época e falava aos outros pecuaristas que era possível criar boi sem precisar desmatar a fazenda. Todo mundo o chamava de doido”, lembra José Luiz, que também é advogado. “Todos os dias ele me dizia quanto a natureza iria contribuir para a atividade pecuária. Acho que isso pegou em mim.”
Dez anos depois de iniciar as atividades da Fazenda Terra Boa, pai e filho tiveram a sua primeira grande surpresa. Eles receberam do governo paulista, um troféu inédito no país: “Fazenda Terra Boa, campeã conservacionista de solos do Estado de São Paulo – 1958”. “Naquele momento entendemos que o pai tinha razão, era possível criar gado, preservar a natureza, criar laços com as pessoas que nos ajudavam a tocar a fazenda e agregar valor à pecuária”, diz José Luiz. “Foi um incentivo e tanto para continuarmos a investir na natureza.”
Em 1963, José Luiz assumiu definitivamente os negócios da família e, nesta época, também percebeu que só a atividade pecuária, como ela era naquela época – criar, engordar, abater vender e comprar mais boi – já não lhe daria competitividade no mercado. Decidiu, então, partir para a inovação tecnológica e iniciou o trabalho de seleção genética para aprimorar o seu rebanho. “Com o passar dos anos, percebi que preservar a natureza era muito mais do que plantar árvores. Investir em técnicas como a fertilização in vitro (FIV), inseminação artificial em tempo fixo (IATF), e mais recentemente, em marcadores moleculares (MM) também é uma forma de preservação, porque toda essa tecnologia contribui para com a produtividade”, conta.
Hoje em dia, na fazenda Terra Boa, que tem 1700 hectares, o rebanho (nelore e brangus) leva a marca TB. No leilão anual que José Luiz realiza, sempre no mês de julho, pecuaristas de toda parte do país ficam de olho em seus animais. “O que eu posso dizer? Fico muito feliz em ter criado essa seleção requisitada no mercado pecuário.”
O rebanho TB é criado a “pão-de-ló”. Por sempre ter priorizado o bem-estar animal, o gado é extremamente dócil e fácil de lidar. Alguns vêm comer na mão. E alimento, na Terra Boa, não falta. Além de criar gado, José Luiz planta milho, sorgo, capim e cana-de-açúcar, que é vendida para uma usina da região, mas também serve para complementar a dieta do rebanho. “É como um ciclo: o milho alimenta o gado, que pasteja em áreas reflorestadas há anos e engorda feliz”, faz uma comparação.
Para lidar com a pecuária integrada à floresta e à lavoura, José Luiz conta com a ajuda de gente que trabalha lá desde a época do seu pai, como o administrador Luiz Bernardes Pio, que nasceu na fazenda e já está se aposentando, e o gerente ambiental Dionísio Alves, de apelido Anderson, que era técnico agropecuário e se especializou em meio ambiente. “Acho que já plantei mais de 30 mil árvores aqui nesta fazenda. Das 220 mil que o José Luiz já tinha plantado”, diz ele. Ambos moram na fazenda e, vez ou outra, concorrem a prêmios que o patrão propõe. “Ele faz coisas assim: a família que recicla mais lixo ou economiza mais energia ganha uma viagem no final do ano ou uma gratificação. Aí, todo mundo quer ganhar o prêmio de quem é mais sustentável e vira uma febre”, diz o funcionário.
Os dois ajudaram José Luiz quando ele decidiu que fazer o trabalho de preservação sozinho já tinha chegado ao limite. “Decidi contratar uma consultoria ambiental e profissionalizar o trabalho sustentável”, lembra o pecuarista. “Muita coisa já tinha sido feita aqui, desde a época do meu pai, mas era preciso organizar, porque sustentabilidade inclui a organização em tudo.” Isso ocorreu no ano de 2002, justamente quando a Terra Boa recebeu a sua primeira certificação socioambiental, a ISO 14001. “Logo depois conquistamos a Global Gap e a BPA Embrapa [Boas Práticas Agropecuárias da Embrapa]”, diz ele.
Apesar de parecer que já fez tudo o que podia para agregar valor à sua atividade e preservar a natureza, ele nunca para. “O meu maior prazer é receber a criançada aqui da região para passar o conhecimento que meu pai me passou. Eu sinto um verdadeiro prazer nisso”. Para facilitar esse trabalho, o criador mandou até confeccionar cartilhas chamadas “Amigos da Onça”. “Esse nome surgiu porque, vira e mexe, percebemos que as matas da Terra Boa atraíram onças, jaguatiricas, tamanduás e outros animais”, conta. “Não é um lucro quantitativo, mas qualitativo: fico feliz em ter construído uma fazenda onde há terra boa, gente feliz e animais que muita gente acha que nem existe mais por aí.”
Fonte: Globo Rural