Mudanças no processo administrativo ambiental: o que esperar?

Por Renata Campetti Amaral*, Manuela Demarche** e Daniela Geib*** — As autoridades brasileiras têm adotado uma série de medidas em resposta ao crescente número de queimadas e incêndios florestais no país. Uma delas, no âmbito do processo administrativo ambiental federal, foi a publicação do Decreto Federal nº 12.189/2024, que alterou normas sobre infrações e sanções administrativas relativas a danos ao meio ambiente.

Na prática, as principais atualizações do novo decreto dizem respeito à criação de novas infrações e à imposição de penalidades mais rigorosas — especialmente para desmatamento e incêndios florestais em áreas de preservação e terras indígenas. No entanto, suas repercussões também serão sentidas em processos administrativos relacionados a outros tipos de danos ambientais.

Um dos destaques é o novo tipo infracional relativo à reparação de danos na via administrativa, estabelecido pelo artigo 83-B. O dispositivo prevê que “deixar de reparar, compensar ou indenizar dano ambiental, na forma e no prazo exigidos pela autoridade competente, ou implementar prestação em desacordo com a definida” poderá acarretar multas que variam de R$ 10 mil a R$ 50 milhões.

O artigo 83-B chama atenção por penalizar quem não repara, compensa ou indeniza danos ambientais – uma questão que, via de regra, era tratada exclusivamente na esfera civil e sob autoridade judicial.

Ainda que caiba aos órgãos ambientais buscar a recuperação do dano ambiental, inclusive como pressuposto para a conversão de multas aplicadas, a execução de uma obrigação de reparação, compensação ou, em especial, indenização por dano ambiental é, em regra, uma competência do Ministério Público, após condenação judicial e por meio de instrumentos jurídicos próprios. A principal atribuição dos órgãos ambientais é a fiscalização de infrações administrativas, dentro da esfera da responsabilização administrativa ambiental. Nesse sentido, a nova infração levanta dúvidas imediatas sobre como o artigo 83-B será aplicado na prática.

Para instrumentalizar a aplicação da nova regra, foi publicada a Instrução Normativa (IN) 20/2024, do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama). Essa norma definiu procedimentos específicos para a cobrança de reparações por danos ambientais na via administrativa, com base em fatos apurados nas sanções administrativas federais.

A nova IN evidencia a intenção de conferir ao Ibama um papel mais ativo na definição do dano ambiental a ser reparado, bem como na execução de medidas voltadas à sua recuperação ou compensação.

No entanto, a redação dessas normas gera – ao menos em uma primeira leitura — receio de que as esferas de responsabilização ambiental (administrativa e civil), assim como as competências das autoridades envolvidas, sejam indevidamente confundidas, resultando em uma aplicação confusa. Surge, então, o questionamento: o Ibama poderia, por meio de uma instrução normativa, estabelecer procedimentos para cobrar a reparação de danos ambientais, ou estaríamos diante de um ato ilegal, que extrapola os poderes do órgão?

É provável que a discussão sobre a legalidade da IN chegue aos tribunais e que o próprio Ministério Público, futuramente, questione se o Ibama estaria ampliando seu escopo de atuação de forma indevida, usurpando competências que não lhe cabem.

Outro ponto relevante é que a IN estabelece uma relação direta entre o processo de reparação de danos e o processo sancionador no Ibama. A responsabilidade pelos danos ambientais será estabelecida com a comprovação da autoria e materialidade no processo sancionador, por meio do pagamento da multa, de sua conversão em serviços ambientais ou de uma decisão administrativa de primeira instância.

Contudo, constatar autoria e materialidade apenas com base na adesão do autuado a uma solução legal – sem que ele apresente defesa – ou com uma decisão de primeira instância ainda passível de recurso no processo administrativo pode violar direitos constitucionais, como o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal.

Fato é que a IN praticamente não prevê a possibilidade de o administrado contestar a constatação do IBAMA sobre a existência do dano ambiental em um processo autônomo. O que se observa são poucas oportunidades de manifestação, que, quando existentes, se limitam à apresentação de uma “contraproposta de solução reparatória”, sem possibilidade de questionamento sobre a existência do dano, sua extensão, entre outros aspectos.

A tendência é que muitas dessas dúvidas sejam esclarecidas com o tempo, à medida que o Ibama começar a instaurar processos administrativos com base na nova IN. Afinal, a própria instrução prevê que diretrizes adicionais para definir as principais informações sobre danos ambientais serão objeto de normas complementares, essenciais para sua aplicação adequada. Diante desse cenário, será fundamental acompanhar de perto os desdobramentos dessa nova regulamentação.

*Líder do grupo de prática de Meio Ambiente, Mudanças Climáticas e Sustentabilidade do Trench Rossi Watanabe

**Sócia do grupo de Meio Ambiente, Mudanças Climáticas e Sustentabilidade do Trench Rossi Watanabe

***Associada do grupo de Meio Ambiente, Mudanças Climáticas e Sustentabilidade do Trench Rossi Watanabe

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