Jovens brasileiros se unem na luta para salvar o planeta
Depois de o presidente americano, Donald Trump, formalizar a saída do acordo de Paris, em 2019, o governo do então presidente Jair Bolsonaro (PL) alterou a forma de medição das emissões brasileiras de gases de efeito estufa. Mas um grupo de seis jovens ambientalistas entrou em uma guerra judicial com o governo federal contra aquilo que chamaram de “pedalada climática”.
O enfraquecimento da meta climática assumida pelo Brasil no acordo de Paris em 2015, provocou descontentamento de entidades ambientalistas no mundo inteiro, mas seis jovens ativistas de diversas regiões do país decidiram entrar na justiça contra o governo. Por dois anos, enfrentaram pressões, ameaças e desafios em uma batalha judicial pelo clima.
A luta se encerrou na última semana. Na terça-feira, o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva reconheceu que o país deve retomar as metas assumidas anteriormente. O acordo, no qual o grupo de jovens ativistas concordou com o encerramento da ação judicial, foi firmado com o Advogado Geral da União (AGU) Jorge Messias e com a ministra do Meio Ambiente e Mudança do Clima, Marina Silva.
Pelos termos formalizados, o governo federal mantém o compromisso de não apenas voltar atrás na “pedalada climática”, mas também de fazer de forma mais participativa o processo de formulação das novas metas nacionais para a redução das emissões — Contribuição Nacionalmente Determinada, NDC na sigla em inglês — que devem ser apresentadas pelo Brasil durante as próximas edições da Conferência do Clima da ONU, a COP.
“A gente tinha a subtração do compromisso do Brasil durante o governo anterior. Voltamos para o compromisso originário e estamos comprometidos em fazer a nossa nova meta, aumentando cada vez mais a potência e a intensidade”, comentou Marina Silva, durante a assinatura do ato na AGU. O acordo entre os ambientalistas jovens e o governo precisa ser homologado pela Justiça Federal de São Paulo, onde tramita a ação desde 2021.
Os seis jovens que iniciaram a ação vieram de duas organizações ambientalistas, a Engajamundo, uma ONG dedicada ao tema da mudança climática, e a Fridays for Future, movimento iniciado pela ativista ambiental sueca Greta Thunberg. Ela ficou conhecida em 2018 como a líder, com apenas 15 anos de idade, de uma série de greves em escolas na defesa do clima.
O Correio conversou com alguns dos signatários da ação que enfrentou o governo na luta pelo clima. Em comum nas conversas, nota-se uma grande admiração pela ação de Greta; uma reserva ao falar de ameaças e pressões sofridas nos dois anos que enfrentaram o governo; e a esperança de que ainda há tempo de preservar o futuro da humanidade contra o aquecimento global.
Além dos quatro jovens com quem o Correio conversou, a ação contou com a participação da estudante de direito na Unir, ativista e líder indígena Txai Suruí, de 26 anos, de Rondônia, e do ativista climático paulista Marcelo Rocha.
Paloma Costa (Brasília)
Paloma é uma das mais experientes do grupo na luta pela sustentabilidade
A brasiliense Paloma Costa, bacharel em direito pela UnB e hoje estudante de ciências sociais, aos 33 anos é uma das mais experientes do grupo de jovens dedicados à causa pela sustentabilidade. Ela trabalhou por 10 anos no Instituto Socioambiental.
Hoje, atua como ativista na ONG Engajamundo e como assessora da questão climática para algumas agências da ONU. Ela diz que espera deixar um legado de atuação e organização das juventudes, enquanto se considera jovem. Na jornada ambientalista, teve contato com ativista Greta Thunberg (na foto, à direita), indicada para o prêmio Nobel da Paz. Paloma conta que a ação contra a União aconteceu em um momento de “muito medo e insegurança com uma pandemia e um governo negacionista”. Sempre sorridente, a advogada é menos otimista quanto ao acordo celebrado com o governo federal.
“A gente saiu para as ruas, entrou com a ação judicial da pedalada climática e conseguiu dar um passo para começar a resolver. Mas não está resolvido ainda”, diz.
Daniel Holanda (Goiás)
Daniel interessou-se pelo tema ambiental em 2018, por admiração da militância de Greta
O mais jovem do grupo, Daniel Holanda, mora em Anápolis (GO). Completou 22 anos na última sexta-feira (24). Interessou-se pelo tema ambiental em 2018, por admiração da militância da sueca Greta, e terminou por se filiar ao Fridays for Future. Lembra que quando iniciou o processo judicial, junto com outros cinco jovens ativistas, tinha apenas 19 anos. Hoje, ele estuda direito e relações internacionais em uma universidade da sua cidade, e pretende seguir a carreira diplomática no Itamaraty.
“Eu quero ser diplomata no Brasil, participar das discussões das COPs, das discussões da ONU, isso eu gosto muito. Não pretendo continuar como ativista. Hoje, a juventude está fazendo algo que não deveria precisar fazer, algo que deveria ser o mínimo que os governos deviam estar fazendo”, diz o estudante.
Apesar de otimista quanto à possibilidade de ainda se conter o aquecimento global, fala da dificuldade do ativismo, em especial no município goiano, centro de prosperidade do agronegócio que, segundo Daniel, enxerga a pauta ambiental com muita desconfiança ainda. “As pessoas aqui não têm muito interesse na pauta climática, até acham ofensivo protestar pelo clima, pois entendem ser contra o agronegócio”, comenta o ativista.
Sobre as pressões no governo anterior, diz que chegou a pedir ao Google que borrasse as imagens de satélite da sua casa com medo de ter a residência localizada. “A gente estava no governo Bolsonaro, era uma incerteza, eu sofri ameaças de simpatizantes tanto de Ricardo Salles, como de Bolsonaro”, diz.
Paulo Ricardo (Bahia)
Paulo Ricardo conta que, antes da graduação, acreditava que a mudança climática só afetava os ursos polares
O baiano Paulo Ricardo tem 30 anos e mora em Salvador. Natural de Feira de Santana, é formado em gestão ambiental. Conta que, antes da graduação, acreditava que a mudança climática só afetava os ursos polares. “Eu achava que aquecimento global era apenas aqueles gelos e aqueles ursos nas calotas. Mas somente quando entrei na faculdade eu entendi o quão complexo é falar sobre clima, sobre a Amazônia e sobre meio ambiente, coisa que eu não tive oportunidade de aprender na escola”, relata.
Com a ação judicial movida ainda no governo do presidente Jair Bolsonaro, assim como os outros integrantes recebeu diversas ameaças, mas todas virtuais. “Eu recebi vários ataques virtuais, com pessoas falando que iam achar a gente, que éramos todos de esquerda e que não era justo a gente processar o ministro (Ricardo) Salles. Claro que eu fiquei um pouco assustado, mas os ataques foram apenas virtuais”, comentou.
Agora, segundo o gestor ambiental, com a apresentação de metas pelo governo, o desafio é diferente. É hora de cobrar essas metas. “Nosso papel é continuar acompanhando e cobrando, uma coisa é o governo apresentar as metas, mas precisamos de medidas efetivas para tirar tudo aquilo do papel para ser colocado em prática. Nossa preocupação no último governo era cobrar a apresentação de metas; neste é cobrar pelo cumprimento delas”, compara.
Thalita Silva (Amazonas)
Thalita diz que a representatividade dos grupos jovens, junto com o apoio do Observatório do Clima foi fundamental para o êxito do processo judicial
A manauara Thalita Silva tem 26 anos. Técnica ambiental, declara-se preta, pobre e periférica. Apesar de dizer que sempre se envolvia como voluntária em eventos da cidade de Manaus como a Virada Sustentável ou mesmo mutirões de limpeza, foi apenas em 2016, depois de ver uma entrevista de uma coordenadora da ONG Engajamundo em um programa de televisão, que se envolveu com a pauta ambiental. Na época, como não tinha internet em casa, esperou o dia seguinte, ao chegar na escola onde fazia o curso técnico, para preencher o formulário de adesão no site da ONG.
Sobre a ação da pedalada climática de 2020, Thalita diz que a representatividade dos grupos jovens, junto com o apoio do Observatório do Clima foi fundamental para o êxito do processo judicial. Thalita conta que não se sentiu intimidada, mas lembra que o governo anterior queria “passar a boiada” no meio da pandemia, o que dificultava o trabalho.
“A gente precisa entender que a crise climática está acontecendo. A gente precisa dessas medidas agora, não pode esperar até 2030 ou 2050. Por isso, enxergamos a conciliação com o governo com esperança. E ainda tenho essa esperança de reverter o que estamos vivendo. Para isso, precisamos da canetada dos tomadores de decisão, com metas e medidas cada vez mais ambiciosas”, afirma a ativista.
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