Economia circular gira com brechós, que devem a crescer de 15% a 20% até 2030

O mercado da moda atravessa uma nova transformação, impulsionada pelo crescente interesse na economia circular e no desenvolvimento sustentável. O conceito central é manter os recursos em circulação pelo maior tempo possível, visando evitar o desperdício, a extração excessiva de recursos naturais e a geração de resíduos. Do ponto de vista comercial, os brechós têm mostrado viabilidade, impulsionados por um mercado em ascensão e pelo interesse crescente em sustentabilidade.

Os brechós desempenham um papel na moda circular, oferecendo uma opção mais acessível para aquisição de novos looks. É uma oportunidade para quem quer vender ou comprar roupas usadas com custo menor, em comparação com produtos novos. Os consumidores não apenas economizam, mas também contribuem para a redução do descarte desnecessário de peças.

Conforme dados de estudo sobre Moda Sustentável do Boston Consulting Group (BCG), realizado em parceria com a Enjoei, atualmente, 70% dos compradores em brechós afirmam gostar do fator sustentável que ronda o consumo — aumento de 12 pontos percentuais comparado aos 62% registrados em 2018.

Quem compra peças de segunda mão quer ter menos itens, porém, de maior qualidade, além de valorizar as peças que já estão no guarda-roupa e de minimizar o consumo excessivo. Um dos maiores motivos pelo qual a venda de peças usadas cresceu nos últimos anos é a facilidade de passar adiante roupas que estão paradas, com 38% das respostas da pesquisa do BCG. Em seguida, o fato de liberar espaço no guarda-roupa aparece com 34%, e a jornada sustentável ao vender tais roupas antigas, com 29%.

O levantamento revela também que 56% dos brasileiros declararam já terem feito ao menos uma transação, de compra ou venda, de artigos usados. Nas projeções, o mercado de itens usados pode crescer de 15% a 20%, ultrapassando o valor do segmento de fast fashion até 2030. Em contrapartida, 44% dos entrevistados não compram e nem vendem artigos de segunda mão. Foram entrevistados três mil brasileiros e brasileiras em todo o país.

Jovens como a estudante Beatriz Vieira, 18 anos, optam por uma abordagem mais econômica e consciente ao escolherem brechós como destinos para suas compras. Ela destaca a disparidade de preços entre as lojas de departamento e os brechós, compreendendo a realidade financeira dos que buscam opções mais acessíveis. “Somos muito consumistas, isso se reflete na indústria da moda. As roupas são feitas de um dia para o outro para atender as tendências que mudam em questão de dias, e acaba gerando um acúmulo de peças que são destacadas”, afirma.

Para Beatriz, a oportunidade de adquirir peças de segunda mão a preços mais baixos é um fator decisivo, permitindo-lhe economizar de maneira considerável. Ela reconhece a importância ambiental de não contribuir para o ciclo de produção acelerada da indústria da moda. “Comprar roupas de segunda mão é importante, porque contorna o problema ambiental, reutilizando peças que poderiam fazer parte de outro acúmulo de lixo. A indústria têxtil é uma das que mais poluem”, completa.

A também estudante Júlia Oliveira, 18, compartilha a confiança de encontrar itens de qualidade a preços acessíveis em brechós. Ela vê o consumo da moda circular como uma forma de movimentar um comércio independente, ao mesmo tempo em que alivia o peso financeiro em seu bolso. “Com R$ 100 eu compro três peças em um brechó. Em uma loja de departamento, compro metade de uma blusa. É bom movimentar um comércio independente e não pesar tanto no meu bolso”, afirma.

Ambas concordam que suas escolhas não são apenas por finanças, mas também contribuem para um ciclo mais sustentável e ético no consumo. A conscientização ambiental cresce, e a decisão de adquirir peças de segunda mão reflete um estilo de vida mais responsável.

economia brecho

Como consequência, modelos de negócio que são parte da economia circular se tornaram pauta dentro das discussões referentes às alterações climáticas e à poluição ambiental causada pelas produções industriais. Ao buscar alternativas para diminuir a produção de novos itens, a ressignificação de usados e a mudança de mentalidade dos consumidores são consideradas pilares-guia na transformação do mercado de moda.

Um exemplo desse modelo de negócio é o Peça Rara Brechó, que tem se destacado muito nos últimos anos. Bruna Vasconi, CEO e fundadora da empresa, explica que a economia circular não é só utilizar uma peça ou item por várias pessoas, mas é um novo modo de pensar, é a redefinição de consumo, de um estilo de vida. “Foi dessa percepção que nasceu o coração de nosso negócio: não apenas um brechó, mas um modelo que conecta fornecedores e novos consumidores em um ciclo virtuoso no qual recursos não são desperdiçados, mas retomam seu uso”, esclarece.

“Dessa forma, geramos valor para o fornecedor que recupera parte do investimento realizado e não deixa sua roupa ou objetivo parado (podendo até comprar outro item de seconda mão) e para o comprador, que tem acesso a itens de qualidade, muitas vezes até de marcas reconhecidas, a um preço mais acessível”, acrescenta Vasconi.

A empresária ressalta que o G7 — grupo das sete economias mais industrializadas do planeta (Estados Unidos, Japão, Alemanha, Reino Unido, França, Canadá e Itália) — criou o acordo Fashion Pact, que vai reunir marcas dos mais diversos perfis dentro da indústria têxtil, se comprometendo a agir de forma mais eficiente em prol do meio ambiente. “Entre as iniciativas que serão seladas nesse pacto estão a eliminação de plásticos de uso único, a utilização de fontes de energia renovável, a promoção de práticas de agricultura regenerativa e reciclagem de tecidos, frear o aquecimento global, a restauração da biodiversidade e a proteção dos oceanos”, explica.

Vasconi destaca ainda que a indústria têxtil é caracterizada pelo grande volume de água necessária para as operações e pela quantidade considerável de produtos químicos utilizados em diversos processos, gerando muitos fluxos de resíduos (líquidos, gasosos e sólidos). “Embora o resíduo específico dependa do tipo de instalação têxtil de onde provém, estima-se que em 2015 a indústria da moda foi responsável por quase 79 bilhões de metros cúbicos de água consumida, 715 milhões de toneladas de emissões de CO2 e 92 milhões de toneladas de resíduos”, pontua.

Para Deborah Secco, atriz e sócia do Peça Rara Brechó, as pessoas aprendem com exemplos. Então ensinar aos nossos filhos que se eles querem algo novo, por exemplo, precisamos doar algo antigo é um primeiro passo. “A economia financeira deveria ser ensinada na escola”, ressalta.

Segundo a atriz, um dos maiores desafios é o preconceito. “Graças a Deus isso está mudando. Hoje já é permitido que eu vá num evento com uma roupa repetida ou emprestada. Então, vamos nos libertar e usar mais vezes uma peça, ressignificar outra indo a um brechó para vender ou comprar peças”, frisa.

Em um recorte regional, na opinião de Isabelly Monteiro, dona do Singular Brechó, situado em Brasília, explorar o mundo da moda circular permite uma nova visão de consumo mais consciente de roupas, indo contra os ideais do fast fashion. “A moda circular nos mostra que é possível se vestir bem, se expressar e consumir de forma sustentável por meio de brechós e marcas autorais. Consumir de brechó é respeitar o nosso planeta”, analisa a empresária do Distrito Federal.

O impacto dos brechós pode ir além de dar um novo lar para itens usados. “Existem outros processos que podem valorizar ainda mais as peças, são os processos de customização e upcycling, que é transformar uma peça que realmente não dá para curar em um novo produto. Fazendo com que seu ciclo prevaleça e que ao pensar em descartar aquele tecido ou material, nós conseguimos mostrar as diversas possibilidades de produtos novos”, explica Monteiro.

Na capital federal, o ramo de brechós vem se consolidando cada vez mais. “As feiras do DF, inclusive o Ao Desapego, evento que reúne diversos brechós brasilienses e que acontece no Conic, consegue reunir diversas pessoas e mostrar como o mercado circular pode ser o futuro da moda”, afirma. O consumo consciente e a ascensão dos brechós em território brasileiro são fenômenos que podem mudar o cenário da moda e ajudar na diminuição de poluição produzida pela indústria têxtil. “Ainda existem muitos tabus em relação a brechós, muitas pessoas não entendem desse mercado e desvalorizam, mas o público que valoriza está crescendo cada vez mais… e isso é encantador!”, complementa Isabelly Monteiro.

*Estagiárias sob a supervisão de Rosana Hessel

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