É falso que proposta do governo proíba Uber e iFood no Brasil
Falso: É falso que o governo federal tenha apresentado proposta para proibir a atuação das empresas Uber e iFood no Brasil, conforme havia afirmado o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) em 2022. Na época, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) determinou a remoção da publicação do parlamentar por desinformação. A peça verificada relaciona o conteúdo ao recente projeto de lei elaborado pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) juntamente às plataformas digitais. A proposta, contudo, não fala em “proibir” a atuação das empresas, apenas regulamenta o trabalho dos motoristas de aplicativos de transporte individual.
Conteúdo investigado: Postagem exibe captura de tela da notícia “Eduardo Bolsonaro e redes bolsonaristas terão que apagar fake news sobre Lula”, publicada pelo veículo independente Mídia Ninja em 2022. A matéria informa sobre uma decisão do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) para ordenar a remoção de publicações que afirmassem que o petista iria proibir o trabalho de entregadores e motoristas de aplicativo, como iFood e Uber. A legenda do post verificado afirma: “TSE proibiu e mandou @BolsonaroSP apagar ‘fakenews’ sobre Lula e aplicativos de Uber e Ifood. UOL, Aos Fatos, a Globo disseram que era falso, mas, Eduardo tinha razão, e agora?”. O texto faz referência ao recente projeto de lei apresentado pelo governo federal para regulamentar o trabalho de motoristas de aplicativo.
Onde foi publicado: X.
Conclusão do Comprova: É falso que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tenha apresentado proposta para proibir aplicativos como Uber e iFood, conforme havia alegado o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL-SP) em 2022. À época, o parlamentar afirmou que Lula, se eleito, acabaria com “empregos de motoboys no Uber, iFood e apps similares”. Naquela ocasião, o TSE ordenou que a postagem fosse apagada por “veicular fatos gravemente descontextualizados e sabidamente inverídicos” que atingiriam a integridade do processo eleitoral.
A peça verificada traz à tona a decisão da Corte Eleitoral em 2022 para fazer uma ligação com uma proposta do governo federal apresentada em 2024 que pretende regulamentar o trabalho de motoristas de aplicativo, como Uber e 99. O projeto do Ministério do Trabalho, contudo, não fala em “proibir” a atuação das empresas no Brasil. O texto, inclusive, foi elaborado juntamente às plataformas digitais.
Em paralelo, o Supremo Tribunal Federal (STF) julga se existe vínculo empregatício entre os motoristas de aplicativo e as plataformas digitais. Em deliberação unânime, os ministros reconheceram o caráter de repercussão geral da matéria e vão fazer um julgamento único sobre o tema, ainda sem data marcada. A futura decisão será válida para todos os casos semelhantes. Ao STF, a Uber argumenta que o reconhecimento de vínculo empregatício tem o potencial de inviabilizar a continuidade de sua atividade.
Falso, para o Comprova, é o conteúdo inventado ou que tenha sofrido edições para mudar o seu significado original e divulgado de modo deliberado para espalhar uma falsidade.
Alcance da publicação: O Comprova investiga os conteúdos suspeitos com maior alcance nas redes sociais. Até o dia 7 de março, a postagem viral no X acumulava mais de 59,8 mil visualizações, 3 mil compartilhamentos e 7 mil curtidas.
Como verificamos: Primeiramente, o Comprova pesquisou a notícia exposta na postagem analisada, publicada pelo veículo Mídia Ninja. Em sequência, realizou uma busca no Processo Judicial Eletrônico (PJe) para encontrar a decisão da Corte Eleitoral abordada na matéria. Além disso, também buscou por checagens que analisaram o conteúdo que foi objeto da decisão do TSE.
Para compreender o cenário trabalhista dos motoristas de aplicativo, o Comprova procurou notícias sobre o recente projeto de lei que pretende regulamentar a atividade e sobre a ação julgada no STF em relação ao vínculo empregatício entre os profissionais e as empresas. Por fim, entrou em contato com as empresas Uber e iFood, citadas na alegação checada.
A postagem aqui analisada utiliza uma notícia publicada pelo veículo independente Mídia Ninja, em 29 de agosto de 2022. A matéria informava sobre uma decisão do TSE que ordenava a exclusão de duas publicações desinformativas sobre Lula. Uma das postagens, publicada pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro, alegava falsamente que o petista iria “acabar com os empregos de motoboys no Uber, iFood e apps similares”.
Na decisão, o TSE argumentou que agências de checagem, como Lupa, Aos Fatos e Polígrafo, atestaram que não houve promessa de “acabar com os empregos de aplicativo”. À época, o boato também foi verificado pelo UOL Confere e AFP. Em 2023, uma alegação similar voltou a circular nas redes sociais e foi checada pelo Fato ou Fake, do g1, e também pelo UOL Confere.
As postagens desinformativas descontextualizaram uma entrevista do petista à rádio Passos FM, de Minas Gerais, concedida em 22 de fevereiro de 2022. No depoimento, Lula defendeu a ampliação de direitos da categoria. Leia um trecho da declaração:
“A gente vai criar emprego desses intermitentes que o trabalhador não tenha direitos? A gente vai ficar fazendo o trabalhador trabalhar nesses aplicativos sem nenhum direito? É preciso dar garantia da seguridade social para as pessoas, é preciso que as pessoas tenham um descanso, é preciso que as pessoas tenham férias, é preciso que as pessoas ganhem um salário minimamente digno para comer.”
A então ministra Maria Claudia Bucchianeri, relatora do caso, ressaltou que a Resolução do TSE nº 23.610, de 18 de dezembro de 2019, estabelece que a “livre manifestação do pensamento de pessoa eleitora identificada ou identificável na internet somente é passível de limitação quando (…) divulgar fatos sabidamente inverídicos, observado o disposto no art. 9º-A desta Resolução”.
O art. 9º-A mencionado, por sua vez, afirma que “é vedada a divulgação ou compartilhamento de fatos sabidamente inverídicos ou gravemente descontextualizados que atinjam a integridade do processo eleitoral”. Os ministros do TSE, por unanimidade, confirmaram a decisão da relatora.
Nesta segunda-feira, 4, o governo federal anunciou um Projeto de Lei Complementar (PLC) para regulamentar o trabalho de motoristas de aplicativos. O documento ainda será encaminhado ao Congresso e, se aprovado, entrará em vigor 90 dias após a sanção.
De acordo com o Ministério do Trabalho, o PLC foi elaborado a partir de um Grupo de Trabalho Tripartite, criado em maio de 2023. A elaboração da proposta contou com representantes dos trabalhadores, das empresas e do governo federal, com acompanhamento da Organização Internacional do Trabalho (OIT), Ministério Público do Trabalho (MPT), entre outros.
O projeto prevê aos motoristas de aplicativo uma remuneração mínima, tempo de trabalho máximo por dia e contribuição previdenciária pelos trabalhadores e empresas. Os trabalhadores também serão representados por uma entidade sindical.
Mesmo com as novas definições, não existirá vínculo empregatício. A nova categoria foi denominada “trabalhador autônomo por plataforma”. A proposta estabelece um valor mínimo de remuneração de R$ 32,09 por hora, sendo que R$ 8,02 são referentes ao trabalho e R$ 27,07 englobam os custos de produção (combustível, celular e veículo).
Já em relação à previdência, a contribuição ao INSS ocorrerá em cima do valor de R$ 8,02, com alíquota de 7,5% para empregados e de 20% para a plataforma. Além disso, a proposta também indica que o período máximo de conexão do motorista a uma mesma plataforma não poderá ser superior a 12 horas diárias.
Por meio de nota, a Uber afirmou que considera a proposta elaborada pelo Grupo de Trabalho Tripartite como um importante marco para uma regulamentação equilibrada do trabalho realizado por meio de plataformas, e que seguirá acompanhando a tramitação do projeto de lei no Congresso Nacional. “A empresa valoriza o processo de diálogo e negociação entre representantes dos trabalhadores, do setor privado e do governo, culminando na elaboração dessa proposta, a qual inclui consensos como a classificação jurídica da atividade, o modelo de inclusão e contribuição à Previdência, um padrão de ganhos mínimos e regras de transparência, entre outros”, diz em nota.
Na mesma linha, a Amobitec (Associação Brasileira de Mobilidade e Tecnologia), que reúne empresas que prestam serviços tecnológicos relacionados à mobilidade de pessoas ou bens, também avaliou o projeto de lei como positivo para a categoria, em especial no que diz respeito à inclusão dos trabalhadores na Previdência Social. “Da forma como foi acordada entre os participantes do Grupo Tripartite, a proposta contempla as prerrogativas de uma atividade na qual a independência e a autonomia do motorista são fatores fundamentais. Certamente será usada como exemplo para muitos países que hoje discutem a regulação deste novo modelo de trabalho”, afirma a associação em nota oficial.
A proposta de regulamentação do trabalho de motoristas de aplicativo não engloba empresas de delivery, como iFood. Isso porque não houve acordo entre as empresas e os entregadores. Ao Comprova, a empresa afirmou que sempre houve diálogo com o governo para a construção de uma regulamentação que seja boa para todos e reiterou que não tem planos de encerrar suas atividades no Brasil: “O iFood continuará investindo no Brasil por meio de seus pilares de tecnologia, sustentabilidade e inclusão social. As expectativas para o mercado de delivery em 2024 são otimistas, refletindo o avanço contínuo das tecnologias e as transformações nos padrões de consumo.”
O presidente Lula falou que vai insistir em negociar. Durante o lançamento da proposta elaborada pelo Ministério do Trabalho, Lula disse que vai “encher tanto o saco que o iFood vai ter que negociar”.
O ministro do Trabalho, Luiz Marinho, também comentou a regulamentação para a categoria de duas rodas. “Não adianta o iFood mandar recado; encontra ministro, encontra gente do governo, amigo do governo… Nós queremos conversar. Nós conversamos o ano inteiro, mas o fato é que o iFood, o Mercado Livre diziam que essa negociação não cabe no seu modelo de negócios. Portanto, um modelo de negócios altamente explorador”, afirmou o ministro.
Em comunicado à imprensa, o iFood disse que a declaração do ministro Marinho “não é verdadeira”. “O iFood participou ativamente do Grupo de Trabalho Tripartite (GT) e negociou um desenho regulatório para os entregadores até o seu encerramento. A última proposta feita pelo próprio ministro Marinho, com ganhos de R$ 17 por hora trabalhada, foi integralmente aceita pelo iFood”, alegou.
Ainda segundo a nota da empresa, o governo federal priorizou a discussão com os motoristas de aplicativo, já que a bancada de trabalhadores divergia menos entre si. O iFood também defendeu que apoia a regulação do trabalho intermediado por plataformas desde 2021.
Ao Comprova, o iFood explicou que o ponto de discussão está no modelo de previdência que o entregador será incluído. “Nossa ideia é discutir um modelo de alíquota progressiva, por exemplo, o mesmo raciocínio do Imposto de Renda: quanto menos você ganha, menos você paga e vice-versa, ou outros modelos que estejam de acordo com o ganho médio do entregador autônomo”, afirma a empresa.
O STF também está de olho nesse tema. A corte vai decidir se existe vínculo empregatício entre os motoristas de aplicativo e as empresas criadoras e administradoras das plataformas digitais. Neste primeiro momento, em deliberação unânime, os ministros reconheceram o caráter de repercussão geral da matéria. Isso significa que o julgamento é relevante do ponto de vista social, jurídico e econômico e ultrapassa os interesses das partes envolvidas no processo.
Com isso, uma futura decisão da corte sobre o tema terá amplo alcance e será válida para todos os casos semelhantes. A data do julgamento ainda não foi marcada. A questão é fruto de um recurso apresentado pela Uber, que narra existirem mais de 10 mil processos sobre o tema tramitando nas diversas instâncias da Justiça trabalhista.
A plataforma questiona decisão do Tribunal Superior do Trabalho (TST) que reconheceu a existência de vínculo empregatício entre uma motorista e a empresa. O TST considerou que a subordinação fica caracterizada porque o motorista não possui nenhum tipo de controle em relação ao preço das corridas e ao percentual a ser descontado sobre o valor.
A autonomia do trabalhador, destaca a decisão, está restrita apenas à escolha de horários e corridas. Além disso, a empresa estabelece parâmetros para aceitar determinados motoristas e faz unilateralmente o desligamento do motorista, caso ele descumpra alguma norma interna.
Já a Uber argumenta, para o STF, que a decisão do TST tolhe o direito à livre iniciativa de exercício de atividade econômica e tem potencial de inviabilizar a continuidade de sua atividade.
De acordo com apuração do Valor, a maioria do STF derrubou decisões a favor de vínculos empregatícios com aplicativos. O levantamento mostra que pelo menos sete ministros decidiram contra os trabalhadores em reclamações levadas ao Supremo.
O que diz o responsável pela publicação: A autora da publicação checada foi procurada via mensagem direta no X, mas não respondeu até o fechamento do texto. O espaço está aberto.
O que podemos aprender com esta verificação: É comum que desinformadores utilizem um material antigo e descontextualizado para espalhar desinformação sobre um fato atual. No caso aqui analisado, a responsável pela publicação usa um boato já desmentido para fazer uma ligação com o projeto de lei que pretende regulamentar o trabalho de motoristas de aplicativo. Para confirmar se a alegação é verdadeira ou falsa, é importante buscar notícias e fontes confiáveis que informem sobre o assunto. Uma busca rápida é capaz de mostrar que a proposta contou, inclusive, com a participação de representantes das empresas.
Por que investigamos: O Comprova monitora conteúdos suspeitos publicados em redes sociais e aplicativos de mensagem sobre políticas públicas e eleições no âmbito federal e abre investigações para aquelas publicações que obtiveram maior alcance e engajamento. Você também pode sugerir verificações pelo WhatsApp +55 11 97045-4984.
Outras checagens sobre o tema: Em 2022, as postagens que alegavam falsamente que Lula iria “acabar com os empregos de motoboys no Uber, iFood e apps similares” foram objetos de checagens da Lupa, Aos Fatos, Polígrafo, UOL Confere e AFP. Em 2023, uma alegação similar voltou a circular nas redes sociais e foi checada pelo Fato ou Fake, do g1, e também o UOL Confere.
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