Criticado por Bolsonaro, Inpe é referência não só contra desmatamento

O Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) tornou-se nos últimos dias alvo do governo Bolsonaro (PSL): o presidente disse que o diretor do instituto estaria “a serviço de alguma ONG”, questionou a metodologia do órgão e denunciou reflexos negativos que o monitoramento do desmatamento na Amazônia causaria à imagem do Brasil.

Criado em 1961, o Inpe é referência no que faz: trabalho científico e tecnológico em engenharia espacial, inclusive com satélites lançados, geofísica e ciências atmosféricas. Monitorar o desmatamento é, portanto, apenas uma das funções dos 798 funcionários vinculados ao Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações.

Ministro do Meio Ambiente de 2008 a 2010 (governo Lula), o deputado estadual Carlos Minc (PSB-RJ) disse ao UOL que o trabalho do instituto foi respeitado por governos de visões políticas variadas – incluindo FHC (PSDB), Lula (PT), Dilma (PT) e Temer (MDB).

Para ele, as críticas do governo atual não tem fundamento técnico, mas político. “Bolsonaro desqualifica as instituições que não torcem os dados segundo seu interesse”, disse Minc.

“O Inpe é uma instituição internacionalmente reconhecida pela excelência, por seus quadros preparados, pela sua independência e qualidade. Todos os governos dos últimos 20 anos reconheceram a sua excelência e qualidade”.
Carlos Minc (PSB), ex-ministro do Meio Ambiente

Entenda o que faz o Inpe:

Produção acadêmica significativa

Excluindo-se as universidades, o Inpe tem a terceira maior produção científica no país, atrás apenas da Embrapa e da Fundação Oswaldo Cruz. Desde 1972, acumula mais de 9.000 registros na Scopus, uma das maiores bases de citações científicas do mundo.

O leque de atuação do instituto engloba pesquisas sobre a origem do Universo, passando pelas mudanças climáticas e o desflorestamento das matas nativas do país.

Em 2014, os cientistas do Inpe foram classificados como revisores de excelência do Journal of Atmospheric and Solar-Terrestrial Physics (JASTP), renomada publicação científica.

Aplicativos e algoritmos

A atuação do Inpe atende, há anos, um dos principais desejos expressos pelo governo atual: aplicabilidade das pesquisas financiadas com dinheiro público.

O instituto desenvolveu aplicativos como o SOS Chuvas, que prevê a chegada de tempestades, e algoritmos a partir de dados da Nasa que mapeiam áreas destruídas por queimadas e incêndios.

Produção de satélites

Desde que tomou posse no Ministério do Meio Ambiente, Ricardo Salles questiona a fiscalização do desmatamento ilegal no país e chegou a dizer que estudava contratar um satélite para monitorar em tempo real o desmatamento – algo que o Inpe já faz.

O instituto mantém um extenso banco de dados gratuito com imagens de 15 satélites e foi responsável pelo primeiro equipamento brasileiro: o SCD-1 (Satélite de Coleta de Dados), que comemorou 25 anos em órbita no ano passado.

Lançado a bordo do foguete Pegasus, dos Estados Unidos, o SCD-1 recolhe dados referentes à previsão do tempo e ao nível de água dos rios e represas.

Em 1988 o Inpe firmou um acordo com a China que possibilitou o programa CBERS (sigla em inglês para Satélite Sino-Brasileiro de Recursos Terrestres). Outros cinco satélites já foram lançados a partir desta parceria, e o sexto deve ser posto em órbita neste ano.

Monitoramento

As críticas do presidente da República, no entanto, foram causadas por outra atividade do instituto: o monitoramento ambiental, mais especificamente, o sistema Deter (Detecção do Desmatamento em Tempo Real).

Nos primeiros 18 dias de julho, o sistema registrou mais de 1.000 quilômetros quadrados de desmatamento na Amazônia legal, o maior número para um mês desde 2016.

Bolsonaro chamou os números de exagerados e disse que deveria ter sido informado antes da divulgação deles – obtidos por um sistema que funciona desde 2004.

Em 2017, o Deter passou a utilizar imagens dos satélites CBERS-4 e Indian Remote Sensing Satellite (IRS) para acompanhar a Amazônia e o Cerrado. A resolução das imagens permite identificar alterações em áreas de no mínimo 1 hectare, permitindo uma fiscalização minuciosa em tempo real.

Com essa tecnologia, entre 2004 e 2017, o Deter emitiu mais de 70 mil alertas de alteração da vegetação nativa ao Ibama, que utiliza os chamados como base para operações de controle e repressão.

Além do Deter, o Inpe tem mais dois sistemas de monitoramento ambiental.

Prodes – O Programa de Monitoramento da Floresta Amazônica Brasileira por Satélite começou a operar em 1988 e calcula o desmatamento anual no bioma, levando em consideração o período de agosto a julho (por conta das nuvens, depende da estação seca para ter maior exatidão). O Prodes considera somente o desmatamento em áreas de mais de 6,25 hectares, e o resultado é divulgado em dezembro.

TerraClass – Desenvolvido a partir de uma parceria do Inpe com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária), o sistema identifica a procedência (agricultura, pecuária, etc) das áreas desmatadas e registradas pelo Prodes. Também classifica somente áreas maiores que 6,25 hectares.

Marcos Pontes ecoou críticas de Bolsonaro

Anteontem, o chefe do ministério que controla o Inpe, Marcos Pontes, endossou tacitamente as críticas de Bolsonaro e disse compartilhar “a estranheza expressa pelo nosso presidente quanto à variação percentual dos últimos resultados na série histórica”.

A fala causou desconforto e foi recebida com incredulidade. Astronauta, Pontes não é visto como parte da ala “anticientífica” do governo, encabeçada por Ricardo Salles (Meio Ambiente) e Ernesto Araújo (Relações Exteriores).

“As coisas complicaram muito com a nota do ministro”, disse um funcionário do Inpe ao UOL, sob condição de anonimato, minutos depois da publicação da nota.

Defesa

As declarações do governo provocaram notas de apoio ao instituto assinadas pelas principais ligas científicas do Brasil. A última delas – e também a mais dura – veio do conselho da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC).

“Críticas sem fundamento a uma instituição científica, que atua há cerca de 60 anos e com amplo reconhecimento no País e no exterior, são ofensivas, inaceitáveis e lesivas ao conhecimento científico”, afirmou a instituição, em texto elaborado durante sua 71ª reunião anual.

O Inpe já havia emitido nota oficial destacando que os dados estão disponíveis para avaliação pública.

“A política de transparência dos dados adotada pelo Inpe desde 2004 permite o acesso completo a todos os dados gerados pelos sistemas de monitoramento, possibilitando avaliações independentes pela comunidade usuária, incluindo o governo em suas várias instâncias, a academia e a sociedade como um todo”, escreveu o instituto.

Fonte: Uol

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