A primeira caminhada espacial privada da história
A SpaceX alcançou um marco histórico ao realizar a primeira caminhada espacial privada da história, um evento que promete redefinir o futuro dos voos comerciais rumo ao universo. A missão, batizada de Polaris Dawn, levou dois tripulantes da empresa a sair da cápsula Dragon e testar, pela primeira vez, os trajes espaciais desenvolvidos pela SpaceX em um ambiente real. O feito inova como a exploração espacial é conduzida por entidades particulares.
O comandante da missão, o bilionário Jared Isaacman, foi o primeiro a sair da cápsula, lançada em órbita pelo foguete Falcon 9. Em um vídeo transmitido ao vivo pela SpaceX, Isaacman, vestido com o traje espacial branco e cinza da empresa, afirmou que: “É precioso.” Ele estava a cerca de 700 km de altitude, significativamente acima da órbita da Estação Espacial Internacional (ISS), demonstrando a capacidade da SpaceX de operar em altitudes muito elevadas. “SpaceX, estamos voltando para casa. Temos muito trabalho a fazer, mas daqui, a Terra parece um mundo perfeito”, disse ele ao centro de controle em Hawthorne, no estadio da Califórnia, ao som dos aplausos da equipe. Seguindo Isaacman, Sarah Gillis, uma funcionária da SpaceX e responsável pelo treinamento de astronautas, também se aventurou fora da cápsula para testar os trajes.
Os dois tripulantes passaram aproximadamente dez minutos fora da cápsula antes de retornar para que a nave fosse pressurizada novamente. A caminhada espacial foi realizada em um intervalo de cerca de uma hora e 45 minutos, marcando um tempo relativamente curto para uma atividade desse tipo, mas essencial para o sucesso dos testes.
Naelton Mendes de Araújo, astrônomo e professor da Fundação Planetário do Rio de Janeiro, lembrou que a primeira caminhada espacial ocorreu em 1965, quando o cosmonauta soviético Alexei Leonov saiu da espaçonave Voskhod 2 e flutuou na imensidão por cerca de 12 minutos. “Isso aconteceu no calor da Corrida espacial entre Estados Unidos e URSS. Os americanos só igualaram o feito no projeto Gemini, meses depois, com o astronauta Edward White.” Conforme Araújo, na ISS, essas caminhadas espaciais, chamadas de Atividade Extraveicular (EVA) são relativamente comuns. “A novidade é a distância em que ocorre — desde as Apollos, não se vai tão longe — e o fato de a iniciativa ser privada e incluir turistas.”
Durante a viagem, os outros membros da equipe também foram expostos ao vácuo espacial, quando a escotilha da cápsula foi aberta, já que a nave não possui câmara de descompressão. Para garantir a segurança dos tripulantes, os trajes espaciais estavam conectados por cordas à cápsula, fornecendo oxigênio e suporte vital. A Dragon, lançada pelo foguete Falcon 9, alcançou uma altitude de 1.200 km durante a viagem, o que foi um teste crítico para futuras missões espaciais. A equipe passou por um processo chamado “pré-respiração”, que busca eliminar o nitrogênio do sangue para evitar que o gás forme bolhas quando o corpo entra em contato com o vácuo.
Adriano Leonês, presidente do Clube de Astronomia de Brasília (CAsB), frisa que a caminhada espacial é significativa tanto para o setor público quanto para o privado. “São vários motivos, como o aprimoramento de tecnologias; experiência prática para treinar astronautas para missões mais desafiadoras, como na Lua, ou em Marte. Além de explorar o interesse público, estimulando novas gerações a se envolverem em carreiras nas ciências, tecnologia, engenharia e matemática (STEM).”
Conforme Leonês, as atividades extraveiculares são fundamentais para a manutenção e operação de satélites e outros equipamentos em órbita. “O que acaba contribuindo para a sustentabilidade das operações espaciais a longo prazo. Esses fatores fazem da caminhada um marco importante que pode influenciar o futuro da exploração espacial, promovendo inovações e colaborações que beneficiam os setores público e privado.”
O evento parece ser mais um capítulo na série de conquistas da SpaceX, a empresa de Elon Musk que tem impactado a indústria espacial desde sua fundação, em 2002. A NASA também comemorou a realização, com o chefe da agência, Bill Nelson, destacando na rede social X (antigo Twitter). “O sucesso de hoje representa um grande passo para a indústria espacial comercial e para o objetivo de longo prazo da NASA de construir uma economia espacial americana vibrante.”
Além de liderar a Polaris Dawn, Jared Isaacman, de 41 anos, financiou parte da viagem, cujo custo específico não foi revelado. A equipe da missão também inclui Sarah Gillis, engenheira responsável pelo treinamento de astronautas da SpaceX, Anna Menon, ex-NASA e engenheira líder de operações especiais; e Scott Poteet, tenente-coronel aposentado da Força Aérea dos EUA e amigo de Isaacman. A caminhada na gravidade zero não só testou a primeira geração de trajes da SpaceX, como também enfrentou a complexidade dos detritos espaciais. A cápsula passou por diversas altitudes orbitais com mais de 10 mil satélites e fragmentos de lixo espacial, exigindo cálculos precisos e meticulosos. Com essa conquista, a SpaceX reafirma a liderança na exploração espacial com possibilidades para futuras missões privadas e comerciais.
“Trata-se de um feito importante para o desenvolvimento da tecnologia aeroespacial fora do âmbito governamental. É a primeira vez que uma tripulação exclusivamente de civis cumpre esse tipo de missão e esse é mais um passo em direção à possibilidade da exploração espacial por empresas privadas. Os engenheiros da SpaceX tiveram que lidar com desafios tecnológicos e problemas conhecidos há mais de 50 anos e precisavam ser resolvidos com baixo custo de investimento. De toda forma, continua sendo uma tecnologia muito cara que durante as próximas décadas só estará disponível para um seleto grupo de bilionários. Por enquanto, parece que o objetivo da SpaceX é se posicionar mais como empresa prestadora de serviços para o governo do que para civis.”
Fernando Roig, astrônomo e pesquisador do Observatório Nacional
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