Postagens de influenciadores digitais podem prejudicar a saúde

Influenciadores digitais têm espalhado informações “esmagadoramente” enganosas sobre exames médicos no Instagram e no TikTok. Um novo estudo da Universidade de Sidney, na Austrália, revelou os perigos das postagens sobre saúde nas redes sociais. O trabalho, publicado, ontem, na revista Jama Network Open, analisou cerca de mil postagens sobre cinco exames controversos promovidos por influenciadores para um público de quase 200 milhões de seguidores. Os resultados mostraram que a maioria das publicações não se baseava em evidências científicas, era promocional, envolvia interesses financeiros explícitos e, além disso, abordava raramente o risco dos exames e tratamentos desnecessários.

Os exames divulgados pelos blogueiros incluíam ressonância magnética de corpo inteiro, avaliações genéticas para câncer, análise de amostras de sangue para testosterona, teste de hormônio antimulleriano — feito para avaliar a fertilidade feminina — e investigação da microbioma intestinal. Os autores alertam que esses exames têm evidências limitadas de benefício em pessoas saudáveis.

“A maioria dessas postagens era esmagadoramente enganosa. Esses exames são promovidos como triagem precoce, mas são desnecessários para a maioria das pessoas”, frisou Brooke Nickel, principal autora do estudo e pesquisadora da Faculdade de Medicina e Saúde da Escola de Saúde Pública da universidade.

O estudo revelou que 87% das postagens não mencionaram os riscos desses exames “Eles podem levar a diagnósticos e tratamentos desnecessários, afetando também a saúde mental das pessoas”, afirmou a pesquisadora. Nickel citou o exemplo do teste AMH, que é comercializado como uma forma de medir a fertilidade, mas é considerado pouco confiável por especialistas.

A preocupação, segundo a cientista, é que os resultados possam levar a tratamentos de fertilidade caros e desnecessários. Outro que comumente é divulgado é o de testosterona — frequentemente promovido com alarmismo para vender suplementos do hormônio. “A segurança a longo prazo dessa terapia ainda não é conhecida, especialmente em relação à saúde cardiovascular e mortalidade”, alertou Nickel.

Percentual elevado

Os dados do estudo mostraram que 87% das publicações mencionaram benefícios dos exames, mas somente 15% falaram sobre os danos. 6% mencionaram o risco de sobrediagnóstico ou sobretratamento e a mesma porcentagem apresentou evidências científicas sobre os assuntos, ao mesmo tempo que 34% falaram sobre a própria experiência do blogueiro. Além disso, 68% dos influenciadores tinham interesses financeiros ao promover os exames, como parcerias ou patrocínios.

Conforme Daniela Carvalho, gastroenterologista da clínica GastroCentro, o equilíbrio entre incentivar a triagem preventiva para o diagnóstico precoce e evitar o sobrediagnóstico (quando a doença não apresenta sintomas) e tratamentos desnecessários “é um dos maiores desafios enfrentados pelos médicos atualmente. Os profissionais podem encontrar esse equilíbrio, mantendo-se atualizados e adotando uma abordagem personalizada, baseada em evidências, que envolve comunicação aberta com os pacientes e consideração cuidadosa de fatores de risco individuais.”

Ray Moynihan, coautor do estudo e professor da Universidade Bond, na Austrália, classificou o cenário como uma “crise de saúde pública”. Ele destacou que a desinformação sobre saúde nas redes sociais está agravando o sobrediagnóstico e prejudicando a sustentabilidade dos sistemas de saúde.

Referência profissional

Para Carlos Nunes, coordenador médico geral do pronto-socorro do hospital Anchieta, em Ceilândia, os profissionais de saúde devem atuar como fontes confiáveis de informação, esclarecendo sobre os benefícios e limitações dos exames e tratamentos. “Os exames são de caráter complementar e sozinhos não definem a conduta médica. Além do atendimento clínico, é essencial destacar a importância do papel do médico na educação em saúde, promoção dos pensamentos críticos e desmistificação de informações equivocadas. É necessário ainda, trabalhar em cima do pensamento imediatista dos pacientes sobre procedimentos vendidos com resultado imediato, muitas vezes duvidosos.”

Segundo Tânia Torres Rosa, professora do curso de medicina da Universidade Católica de Brasília (UCB) e doutora em clínica médica, o impacto dos influenciadores na saúde dos seguidores é grande e, infelizmente, deletério na maioria das vezes, sobretudo quando se trata de exames. “Sobrepõem-se o interesse financeiro e uma disputa por likes em relação ao significado científico baseado em evidências. Com isso, resultados e dicas acabam desorientando os seguidores e não há conscientização sobre os riscos. O papel dos profissionais de saúde continua o mesmo: conscientizar o público sobre os riscos e benefícios que envolvem, exames e procedimentos, bem como tratamentos clínicos.”

Análises mais detalhadas revelaram que postagens feitas por médicos, ou influenciadores sem interesses financeiros, que abordaram evidências científicas, tinham mais chances de ser equilibradas e responsáveis. O grupo agora busca formas de regular melhor esse tipo de conteúdo nas plataformas digitais. Josh Zadro, coautor do estudo, ressaltou que “considerando que plataformas como o Instagram estão deixando de verificar os fatos, a necessidade de uma regulamentação mais rígida se torna urgente”.

“Há opiniões sendo formadas a partir de informações vistas nas redes sociais e fornecidas por coaches e influenciadores. Muitas vezes, esses indivíduos não têm formação adequada para passar orientações sérias sobre saúde. Passam orientações e geram práticas perigosas à saúde. O impacto pode ser catastrófico. Essas pessoas não se preocupam com os riscos, muitas vezes acreditam na informação, mesmo sem nenhum embasamento científico. É papel dos profissionais da saúde, sempre baseados em evidências, mostrar aos pacientes que é importante cuidar da saúde e fazer a prevenção de doenças. Mas isso não implica a realização de exames desnecessários ou mal orientados, e definitivamente não significa suplementação ou reposição desnecessárias. O que deve ser feito é o acompanhamento regular, para que um profissional de saúde sério possa realizar essa orientação.”

Lucas Albanaz, professor de medicina do Centro Universitário UNICEPLAC e coordenador médico do Hospital Santa Lúcia Gama

“Há opiniões sendo formadas a partir de informações vistas nas redes sociais e fornecidas por coaches e influenciadores. Muitas vezes, esses indivíduos não têm formação adequada para passar orientações sérias sobre saúde. Passam orientações e geram práticas perigosas à saúde. O impacto pode ser catastrófico. Essas pessoas não se preocupam com os riscos, muitas vezes acreditam na informação, mesmo sem nenhum embasamento científico. É papel dos profissionais da saúde, sempre baseados em evidências, mostrar aos pacientes que é importante cuidar da saúde e fazer a prevenção de doenças. Mas isso não implica a realização de exames desnecessários ou mal orientados, e definitivamente não significa suplementação ou reposição desnecessárias. O que deve ser feito é o acompanhamento regular, para que um profissional de saúde sério possa realizar essa orientação.”

Lucas Albanaz, professor de medicina do Centro Universitário UNICEPLAC e coordenador médico do Hospital Santa Lúcia Gama

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