Ministério da (Sobre)Pesca e do Sumiço das Estatísticas

tubarãoDurante os dias 26 e 27 de março, a convite do ICMBio, realizou-se em Brasília uma reunião muito rara, reunindo pesquisadores, ONGs ambientalistas e lideranças da pesca artesanal de todo o pais para discutir a recente Portaria 445 do Ministério do Meio Ambiente que lista as espécies aquáticas brasileiras ameaçadas de extinção e determina medidas para sua proteção.

O encontro é incomum, pois envolveu setores que quase nunca se encontram, e menos ainda estão acostumados a encontrar consensos quando se trata da gestão dos recursos pesqueiros nacionais. Para grata surpresa deste que vos escreve, esses consensos foram encontrados até com relativa facilidade, no que tange a apoiar a manutenção da Portaria 445 para proteger o que resta da biodiversidade aquática do Brasil e buscar caminhos para a gestão adequada das espécies vulneráveis.

Outro consenso emergiu nas conversas e da indignação de quem trabalha seja com conservação, seja com pesca: o ministério que se supõe encarregado do tema é o pior problema a resolver, e muitos dentre nós torcemos para que a tão propalada reforma ministerial acabe com esse trambolho que só favorece a devastação e o mau uso do dinheiro público. Trata-se do Ministério da Pesca e Aquicultura, ou melhor, Ministério da (Sobre)Pesca.

Criado com a suposta missão de ordenar e fomentar a aquacultura e o uso dos recursos pesqueiros, ele logo mostrou a que veio, transformando-se num cartório dos interesses que dominam a pesca industrial no Brasil, e que mais parecem ser empresários de mineração do que de uso de um recurso público vivo.

Apropriando-se de montanhas de dinheiro dos nossos impostos, este ministério promove uma verdadeira derrama de subsídios para um setor historicamente responsável pela destruição sistemática da biodiversidade marinha brasileira, com a disponibilização de mais de quatro bilhões de reais para facilitar a construção de ainda mais embarcações para predar sobre recursos já violentamente sobre-explorados.

Qualquer compromisso com sustentabilidade da pesca empalidece frente à sanha pseudo-desenvolvimentista que caracteriza as ações e o discurso dos caciques políticos que o dominam. Não há qualquer critério técnico para as indicações do ministro e suas chefias, como, aliás, é a má praxe na gestão pública federal de nossa combalida Banânia.

Em nenhuma área a cumplicidade criminosa do Ministério da (Sobre)Pesca com a mineração dos recursos pesqueiros nacionais é tão evidente quanto na pesca oceânica. Basta ver o que está acontecendo com os tubarões do Brasil, um grupo de fauna marinha essencial ao equilíbrio ecológico dos oceanos e à saúde da própria pesca de outras espécies. Os tubarões estão simplesmente desaparecendo de toda a extensão de nossas águas, vitimados pela captura intencional disfarçada de “incidental” para alimentar o tráfico internacional de barbatanas, cuja exportação “legal”, estimulada por esse ministério-cartório, serve apenas para encobrir uma gigantesca e contínua operação de contrabando de toneladas de barbatanas, que corresponde a milhões de tubarões massacrados ilegalmente nas barbas de quem deveria zelar pelo ordenamento pesqueiro.

Infelizmente não é possível ordenar a pesca no Brasil, eis que não há dados suficientes para garantir a determinação de cotas sustentáveis para a maioria das espécies de interesse comercial. Como, não há dados? Simples. DESDE 2011 o Ministério da (Sobre)Pesca não publica mais quaisquer estatísticas sobre os desembarques pesqueiros no país, e não os compila mais desde 2008, deixando que a máfia que pratica a sobrepesca sistemática deite e role à vontade. As desculpas para esse absurdo são muitas, mas a verdade é uma só: sem dados oficiais o massacre pornográfico da fauna marinha brasileira não pode ser comprovado em toda sua extensão, dificultando a adoção de medidas de ordenamento e conservação adequadas. Alegria pura para as quadrilhas que vivem de depredar esse inestimável patrimônio público que é o mar do Brasil.

Não é por nada que auditoria do Tribunal de Contas da União corroborou a informação de que estudos de avaliação dos estoques indicam que 80% dos principais recursos pesqueiros nacionais encontram-se plenamente explorados, sobrepescados, esgotados ou (tardia e lentamente) em processo de recuperação. Além disso, nota que o próprio governo brasileiro admitiu, em 2011, no seu 4º Relatório para a Convenção da Diversidade Biológica, que a atividade pesqueira é a principal ameaça à biodiversidade marinha nas águas brasileiras, impactando não apenas os recursos ditos pesqueiros propriamente ditos, mas uma ampla diversidade de espécies, capturadas “incidentalmente” ou como “fauna acompanhante”, e de ecossistemas. A auditoria do TCU apontou a mais absoluta falta de transparência no processo de gestão no Ministério da (Sobre)Pesca e seus “comitês de gestão”. Mas nada foi feito.

Não é de se estranhar, portanto, que este ministério e seus donos, os empresários da (sobre)pesca industrial, tenham ficado furiosos com a edição da Portaria 445 do Ministério do Meio Ambiente, que definiu a lista de espécies aquáticas ameaçadas de extinção. Fruto de um trabalho primoroso das melhores cabeças do país nesta área da ciência e de técnicos do ICMBio, utilizando metodologias aceitas mundialmente, a lista baseou-se em uma enorme quantidade de trabalhos científicos resgatados pelos pesquisadores, vencendo a inércia proposital do Ministério da (Sobre)Pesca e construindo com fatos inequívocos o quadro de horror das mais de 400 espécies listadas, para muitas das quais a pesca é, sim, o principal fator de ameaça de extinção. A reação criminosa da pesca industrial, fechando o porto de Itajaí nas barbas das autoridades navais e policiais omissas, e que contou com todo o apoio do ministério, tenta revogar uma das pouquíssimas medidas que busca impor o interesse público sobre o privado na gestão de nossa biodiversidade marinha, e com sua revogação garantir que a máfia da sobrepesca possa continuar delinquindo livremente.

Fonte: Emvolverde

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