Amazônia paraense: sustentabilidade é o mantra de resistência dos povos da floresta
Em tempos de descaso com a natureza, ribeirinhos da Ilha do Combu – produtores de cacau e do açaí – dão aula de como preservar e cuidar do meio ambiente.
Saindo do porto fluvial de Belém, a lancha rápida atravessa, em 15 minutos, as águas turvas, com correnteza forte, do Rio Guamá até chegar à Ilha do Combu. Durante o Círio de Nazaré, essa ilha conhecida como Veneza Tropical, é um dos destinos mais procurados pelos turistas que buscam o contato com a natureza e os poderes invisíveis da selva amazônica.
Neste recanto natural vivem ribeirinhos e empreendedores, que extraem dos rios e das matas os alimentos nativos que ressaltam os sabores da rica culinária paraense. É o caso de Izete Costa, Dona Nena, que desde 2006 comanda uma produção de chocolate e cacau amazônico 100% orgânico.
A história dela é consonante com a de tantas outras mulheres brasileiras. Verdadeiras guerreiras, que assumiram a responsabilidade de sustentar a família em regiões longínquas do Brasil continental. Dona Nena promove na Ilha do Combu um importante resgate da cultura e das tradições ribeirinhas. Uma voz que se destaca nos igarapés e nas matas na busca incessante de uma vida melhor para sua família e toda a comunidade sem agredir o meio ambiente.
O trabalho de formiguinha de Dona Nena – Filha do Combu, na verdade começou há tempos. Ela e família produziam o chocolate bruto e orgânico e vendiam o precioso produto paraense para as fábricas em todo o mundo. Só em 2006, a empreendedora passou a vender, por conta própria, seus chocolates de sabor intenso com textura mais arenosa na casa dela.
Tempos depois, a carreira da chocolatier paraense ganhou status internacional com a parceria firmada com o chef Thiago Castanho, do badalado Restaurante Remanso do Bosque, em Belém. Hoje, com a alta demanda por seus produtos, a produção de dona Nena e sua equipe gira em torno 80kg por mês entre barras 100% cacau, pó de cacau, nibs (sementes de cacau fermentadas, secas, torradas e trituradas), brigadeiro em pote e outros produtos que são vendidos na lojinha no Combu e em alguns lugares em Belém.
Reagindo à samaúma
Após uma degustação dos produtos de Dona Nena, onde experimentamos o chocolate em pó, o bolo de tapioca e a geleia de cupuaçu nos aventuramos a conhecer a mata e a plantação de cacau nos fundos da casa-recanto. Andando poucos metros, nos deparamos com a gigantesca samaúma – a árvore símbolo representante da Amazônia. Com mais de 30 metros de altura, com aproximadamente 250 anos, a suntuosa guardiã gera contentamento naqueles que tocam seu tronco. Sua base é tão grande que seriam necessárias 25 pessoas para poder abraçá-la por completo.
Entre os convidados para viver a experiência da selva estava a youtuber Nienke Helthuis – a carismática jovem holandesa apaixonada pelo Brasil e por nossa cultura. Caminhando por entre a mata, debaixo de um calor de 34oC, a jovem, junto com seus empresários, é levada por guias locais até a majestosa samaúma. Ela se aproxima, toca no tronco da árvore da Amazônia e, em transe, cria-se uma conexão com os guardiães da floresta.
Em seu perfil nicenienke no canal de vídeos, ela se identifica da seguinte forma: “Em 2017, minha vida mudou completamente. Um dos vídeos do meu canal de YouTube ‘tentando falar português’ se tornou um viral! Muitas pessoas conheceram meu canal e em pouco tempo me fizeram uma das maiores influências digitais na Holanda e no Brasil!”. Atualmente, estão no topo de visualizações seus vídeos Reagindo à vai malandra e Meu primeiro vídeo inteiro em português. Ela agradece a popularidade e acrescenta: “Eu tive vídeos com uma música brasileira, experimentando novas comidas, e tendo alguns prazeres. Os fãs brasileiros são tudo isso, eles fazem tudo isso ser possível!”.
Sintonia verde
Na porta de entrada do grande canal da Ilha do Combu, uma construção sobre palafitas “flutua” sobre as águas do Rio Guamá. No local, se encontra o Restaurante Saldosa Maloca (escrito com L mesmo), estrategicamente voltado para a Baía do Guajará, de onde se avista a cidade de Belém.
Para quem chega desavisado, ele não é um simples boteco suspenso que serve boa comida com temperos da Amazônia. É muito mais! Trata-se de um recanto de sustentabilidade sob o comando da chef paraense Prazeres Quaresma dos Santos, carinhosamente conhecida como Dona Neneca.
Igualmente reconhecida como símbolo da mulher forte do Norte, Prazeres assumiu, há 35 anos, um pequeno bar herdado do pai e tio e transformou o local em um dos destinos mais procurados por turistas do Brasil e do exterior. Segundo Prazeres, o nome adveio do fanatismo pelas músicas de Adoniran Barbosa e Nelson Gonçalves, ídolos dos fundadores da casa. “Meu pai e meus tios eram fãs desses cantores. Até que um dia, um dos meus tios disse: ‘Ah, por que a gente não coloca Saldosa Maloca? A casa é rústica, indígena e ficaria um nome bem legal’. Então, desde então, ficou conhecida assim”, disse.
Desde cedo, a preocupação da empreendedora ribeirinha, filha de caboclos, foi com a natureza ao redor. Numa placa cuidadosamente exposta no restaurante resume o sentimento de preservação com o meio ambiente. Como um mantra ou cântico xamânico as palavras soltam os olhos: reuse, recrie, repense, reveja e reviva.
Há muito tempo que todo o lixo do restaurante passou a ser reciclado. Hoje, as sobras de comida são depositadas em quatro usinas de biogás, onde a compostagem servirá como adubo para os canteiros de ervas, verduras e frutas e, o mais interessante, dali se extrai o gás usado no preparo dos alimentos.
Para Dona Neneca, os brasileiros precisavam vir à Região Norte e conhecer como vivem os povos da floresta. Entender a conexão dos ribeirinhos com as águas da Região Amazônica. “Dependemos dos nossos peixes e crustáceos para poder sobreviver. Cultivamos o açaí, o cupuaçu, o cacau e o bacuri da mesma forma artesanal que nossos antepassados. Tudo orgânico e natural. Sem a presença de agrotóxicos. No nosso solo sagrado sinto uma tristeza da samaúma – a gigantesca árvore de 40 metros e mais de 400 anos, que é a representante dos povos da Amazônia. Sinto que ela quer nos dizer algo: que nós precisamos parar de maltratar os rios, as árvores, as matas agora.”
Berçário sagrado de aves
Há quem diga que as garças estão de volta a Belém. A resposta é simples: elas reapareceram com a criação do Parque Naturalístico Mangal das Garças pelo governo do Pará, em 2005. Belém já era uma metrópole emoldurada pela floresta, mas algumas regiões estavam em completo abandono. O local logo se tornou um dos pontos turísticos mais elogiados da capital paraense.
Nesse parque, que em algum momento nos faz lembrar o Museu de Inhotim, em Brumadinho, foi feita a revitalização de uma área de cerca de 40 mil metros quadrados às margens do Rio Guamá, nas franjas do Centro Histórico de Belém. O que antes era uma área alagada com extenso aningal transformou-se em um belo recanto na cidade. Ao entrar no berçário de tantas aves da Região Amazônica, o turista se depara com a rica diversidade da fauna e flora do Pará: sobre a torre espetacular no centro do parque ou caminhando no trapiche elevado que nos leva até o Rio Guaíba, avistam-se matas de terra firme e de várzea. Neste local, em total sintonia com a natureza, contemplam-se lagos artificiais, iguanas, flamingos festivos, garças graciosas, além de aves nativas e borboletas multicoloridas.
Fonte: Estado de Minas